Design sem nome (2)

Bem... não é fácil e nem simples escrever sobre Rubens Saraceni. Muitos conhecem a sua história, muitos podem contar sua importância em suas vidas e na Umbanda, mas para mim assume um significado maior por tê-lo como um amigo e Pai, não somente de antes quando estava encarnado, mas ainda hoje na minha pequena caminhada na Umbanda. Nascido em Osvaldo Cruz no dia 18 (dezoito) de outubro de 1951, nesta cidade cresceu até o início da sua adolescência e mudou-se com sua família e irmãos para a cidade de São Paulo.
No ano de 1989, quando eu ainda era um jovem sem nada conhecer da Umbanda, pelas mãos de minha irmã Iraci Valencio da Rocha, moradora de São Caetano do Sul, mas também nascida em Osvaldo Cruz, fui levado até a garagem da casa de um Senhor, porque eu apresentava vários problemas de comportamento. Naquela noite conheci Rubens, como assim o chamávamos. Aquele Senhor me cativou desde o primeiro momento. Olhou e cuidou de mim e entoados alguns pontos, manifestou-se, de pronto, um Caboclo e em seguida um Exu. Eu nunca havia incorporado. Naquela época, as obras umbandistas eram poucas e raras, sem a existência e acesso dados pela rede mundial de computadores. Perguntei ao Rubens o que deveria ler? Ele respondeu: “leia André Luiz”. Deu-me, ainda, de presente, uma obra de Ramil Rachid, que conservo comigo até hoje como uma saudável recordação.
Daquela noite em diante, mesmo distante de Osvaldo Cruz, pude habitualmente ir até São Caetano do Sul e conviver com Rubens, o acompanhar e aprender sobre tantas coisas que somente o tempo me mostrou a importância de cada uma delas. Seu exemplo como pessoa simples e humilde, reta e que vaidade alguma podia se ver, me inspiraram e me forjaram como umbandista. Rigoroso, sim, mas amoroso como um Pai, que não descuidava de seus filhos e os fazia crer que eram mais e mais podiam fazer do que acreditavam. Quantas não foram as vezes que eu permanecia em seu estabelecimento comercial, um açougue, com ele no caixa, psicografando, em silêncio, observando-o e aguardando que ele falasse e algum ensinamento viesse, ou mesmo ele compartilhando partes do que havia acabado de escrever. A garrafa de café debaixo do balcão, o modo simples de olhar e acarinhar sua própria cabeça do lado esquerdo, que era mais do que um simples pensar.
Vezes tinha que sair e algo cuidar do expediente e me chamava para junto ir. E íamos naquele Ford Del Rey. Pelas ruas que juntos cortávamos pela cidade vinham os ensinamentos, que se multiplicavam. Nunca houve uma palavra perdida. Guardo muitas e as transmito aos meus filhos e irmãos.
Ao término do expediente, após o açougue fechar, Rubens se dirigia para a garagem, ou mesmo para sua casa, um sobrado acima, quando se sentava numa cadeira e auxiliado por sua esposa Alzira, dava início a “cuidar dos sofredores”, como ele dizia, daqueles espíritos necessitados que lá vinham, estavam e aguardavam para serem cruzados, aliviados de suas dores e sofrimentos e encaminhados aos seus locais de merecimento em prosseguimento de suas jornadas espirituais.
A vela branca queimava muitas vezes até o final. Eram dezenas, por vezes mais de uma centena de irmãos espirituais acolhidos naquele trabalho só visto aos olhos de Deus. Somente depois ele ia jantar. Rubens nunca negou uma palavra. E como gostava de ensinar, esclarecer e compartilhar o que lhe era ensinado por seus Mestres, sempre trazia ricas ilustrações de suas experiências terrenas e espirituais. Conversávamos bastante, mas para mim, sedento do aprendizado espiritual, era pouco. Mas na realidade sempre foi muito e muitas vezes por anos e anos assim pode ser.
Também o foi quando Rubens mudou-se, por curto período, para Uberlândia-MG, onde com muitas obras psicografadas pude ter contato. Ele as compartilhava com aquele jovem que eu era, até mesmo permitindo que pudesse fazer cópias e depois do meu retorno as ler. Certamente ele sabia muito mais do que eu do meu destino e silenciosamente agia. Por razões, que eu ignorava, estive por alguns poucos anos após afastado de Rubens. Mas quando veio meu primeiro filho, pela dor que nos leva ao encontro do Divino Criador, busquei mais uma vez o auxílio de Rubens, que de pronto, ainda quando os contatos eram somente pelos telefones fixos, à distância fez o que havia de prejudicial cessar. Era o início dos Cursos de Magia Divina, naquela época a Magia Divina das Setes Chamas Sagradas.
E lá fui, mais uma vez, caminhar de Osvaldo Cruz para São Caetano do Sul. Tímido e de certa maneira arrependido, sem querer se fazer notar, quando no Templo Estrela Azul, naquela turma que se iniciava no aprendizado da Magia Divina, pude novamente vê-lo. E com os olhos em lágrimas, o abracei, como ele também o fez, lembrando com palavras que “o bom filho à casa torna”.
De lá em diante, as Magias Divinas foram sendo abertas. Veio o Colégio Pai Benedito de Aruanda e, ano após ano, a cada uma eu me deslocava de Osvaldo Cruz até São Paulo, nas madrugadas dos domingos, no conhecido “bate e volta”, para aprender e iniciar-me nos Graus da Magia. Não foram poucas e pude assim fazer por cerca de sete anos, até a Magia de Exu, sempre nas primeiras turmas que eram abertas.
Todos os domingos de manhã renovávamos nosso contato e o aprendizado prosseguia, também com outros irmãos que tive a oportunidade de conviver e aprender. Só uma coisa nunca mudou: Rubens solícito na sua sala ao fundo e compartilhando as “experiências”, como ele chamava, da Magia Divina: Sete Ervas, Elementais, Gênios, Sete Raios, Sete Cruzes, Mantos, Luzes e Cores, Anjos e tantas mais como simplesmente as tínhamos. Mas tudo tem o seu tempo e no ano de 2015 Rubens desencarnou. Foi no dia 9 de março. Mas ele nunca foi embora, pois vive e se faz presente dentro e ao lado de muitos de seus filhos e filhas, netos e netas e pela descendência espiritual que gerou nessa sua última passagem terrena. Embora muitas, como sabem, não são de hoje, mas de ontem, suas ligações com o Pai Rubens ou por outro nome que possam preferir amorosamente o chamar. Eu prefiro, com sua licença Meu Pai, chama-lo de Cavaleiro.
Vejo-o até hoje, em minha memória, com suas vestimentas simples, calça e camisa por fora, sandálias, o cabelo pouco despenteado, o maço de cigarros no bolso esquerdo, o agir preciso no atuar, sério como seus Pretos Velhos, Caboclos e Oguns, mas também como Ele hoje é e, para seus filhos se apresenta, amparando-os nas suas jornadas terrenas.
Tive a graça, ainda, após tantos anos de Umbanda, poder conviver e me tornar Sacerdote de Umbanda Sagrada pelas mãos de sua irmã, Maria de Fátima Saraceni, também nascida em Osvaldo Cruz, onde o que foi preparado por décadas pode se reunir para um novo começo da minha vida sacerdotal.
Também pude encontrar, no Instituto de Umbanda Saraceni, irmãos e irmãs que não os sabia de tempos passados.
Sinto-me honrado Cavaleiro, honrado Mãe Fátima, por estar aqui e podido registrar estas poucas palavras. São muitas mais que poderia ter, tantas histórias de Pai Rubens, do seu humor, da seriedade na formação e existência da Umbanda Sagrada, mas as deixo para as futuras gerações, as quais procuro ajudar a formar, cônscio da minha existência que somente a é por esse Pai, Rubens Saraceni.



Pai Marcelo Augusto de Moura

Sacerdote de Umbanda Sagrada


Dirigente do Templo do Sagrado Coração


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